Conheci o Arthur Garutti em 2014, quando a ACE ainda era Aceleratech e tinha acabado de sair da ESPM. Estávamos iniciando os estudos para construir o Braskem Labs (atual Oxygea Labs) e pedi uma conversa com o Pedro Waengertner, sócio-fundador da ACE, para entender como podiam nos ajudar.
"Quem cuida de corp é o Arthur".
Neste primeiro ano, não fechamos com a ACE. Mas alí começou uma jornada de admiração mútua. Tanto que hoje o Arthur é meu mentor.
Aliás, a Pitching existe por conta do Arthur: depois de dois anos empreendendo, duvidei do produto e ele me encorajou a continuar tentando. Meses depois, surgiu a Pitching.
Sobre o investidor
Arthur Garutti se dedica há 20 anos ao ecossistema de inovação como empreendedor, investidor, executivo e professor.
Especialista em early stage, acelerou milhares de negócios e construiu um portfólio de Venture Capital com 140 startups e 30 saídas através da ACE Ventures.
Co-criou 7 empresas nos setores de real estate, bens de consumo, serviços jurídicos, serviços financeiros, logística e educação através de sua venture builder.
Atuou como executivo por 10 anos nas multinacionais Siemens, BRF e Faber-Castell.
No campo acadêmico, é professor convidado de programas lato e scrictu sensu de instituições de primeira linha, como Escola Superior de Propaganda e Marketing e Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Representa o Brasil no Startup20, grupo de engajamento do G20, liderando a força-tarefa que debate formas de aumentar os investimentos em startups e PMEs globalmente.
Não é pouca coisa. Ele é fera demais!
Por isso, o primeiro entrevistado do blog tinha que ser ele.
E sobre um assunto que gera tantas dúvidas para startups: o que o investidor busca em uma startup antes de investir?
Vamos à entrevista
1. Que tipo de investimento costuma fazer e o tamanho do ticket?
Na pessoa física atuo como venture builder junto a outros sócios, e dificilmente os cheques vão ultrapassar R$ 100 mil por negócio, já que tudo é muito inicial.
2. Quais são os principais critérios que você considera ao avaliar uma startup para investimento e porque?
Claro que eu olho o clichê “time”, pois sem empreendedores de qualidade não existe negócio bom.
Meu conceito de qualidade de time é pouco ortodoxo, confesso.
Ele passa por uma análise cuidadosa do potencial do empreendedor em executar a tese que ele está propondo.
Meu dimensionamento de risco é muito baseado no tamanho potencial do negócio versus a capacidade do time em executar a tese de acordo com o sonho apresentado.
Se o empreendedor está me vendendo a possibilidade de ser um “vencedor que leva tudo”, eu quero que ele consiga comprovar com experiências anteriores e a execução atual a sua capacidade de jogar neste nível.
Se os sócios são tão “brabos” e agressivos quanto o fundador original. Se a tese é capaz de recrutar pessoas nível A para liderar a evolução da tese após a fase de validação. E se os grandes fundos possuem apetite para uma tese deste nível, seja Brasil ou exterior.
Já uma tese menos megalomaníaca e com crescimento mais “paciente” pressupõe que o empreendedor precisa ter um olhar cuidadoso com o uso do capital, pois ele vai precisar retornar o investimento de uma forma totalmente diferente que um time “caçador de unicórnios”.
Refinar este olhar levou muito tempo. Foram 10 anos, mais de 10.000 projetos avaliados e mais de 30 Write-offs para entender que nem todo empreendedor é capaz de tocar todo tipo e porte de negócio.
Hoje eu consigo com 3 ou 4 perguntas validar tudo isso. É um ativo pessoal de muito orgulho e que não pode parar de ser exercitado.
Não à toa, independente de eu estar ativamente investindo, continuo praticando avaliação de 2 a 3 negócios por dia, todo santo dia.
É igual ir à academia: se parar de puxar peso, vai perder toda a massa muscular conquistada.
3. Quais são os sinais de que uma startup precisa e os sinais que indicam que ela não precisa de investimento?
Como atuo muito forte no early stage, percebo que o erro mais comum é a fome de escalar antes da hora.
Desde que o mundo é mundo, bons negócios só são perpetuados sem existirem clientes pagantes e fiéis.
Existe cliente para tudo, mas nem todo cliente é o melhor perfil para escalar.
Este entendimento parece óbvio, mas é muito pouco praticado.
O que existe de startup moribunda por aí que pegou Serie A e B na exuberância irracional dos fundos durante a pandemia não está escrito, e muito menos divulgado.
Isto só reforçou a minha crença sobre “afiar o machado antes de cortar a árvore” durante a fase de validação.
Eu gosto muito de empreendedores obcecados em resolver problemas específicos. Em buscar novas vendas para o mesmo cluster de clientes. Em criar ciclos de feedback. E aí sim, com sinais fortes de que o “cluster” inicial de clientes foi exaurido, partir para uma fase de crescimento mais acelerado.
Além de ser benéfico para o negócio, força o empreendedor a ser eficiente em capital - o que eu adoro.
4. No processo de investimento, qual é o papel de um pitch e o que o investidor quer ver nesta apresentação?
O empreendedor precisa ser um exímio entendedor do seu mercado em nível global.
Ele precisa me dar uma aula de passado, presente e futuro, independente se ele vai algum dia internacionalizar o negócio.
Quando eu busco no Google ou no ChatGPT umas 3 informações que o empreendedor não soube me responder, minha bandeira laranja (entre a amarela e a vermelha) é hasteada imediatamente. Na quarta, a vermelha toma o lugar.
Eu não posso ter dúvidas de que aquele empreendedor está apaixonado pelo seu mercado. Ele pode até estar errado na resolução atual (produto), mas isso eu posso ajudar a pivotar.
O problema é quando o pitch vira apenas uma música sem harmonia e melodia.
A visão do empreendedor conta muito para mim.
Pois a mágica realmente acontece quando ele busca um Estado Desejado, reconhece o Estado Atual e tem boas hipóteses de caminhada.
Quando ele junta tudo isso com demonstrativos fortes de que já está executando tudo isso com as ferramentas disponíveis, fica praticamente irresistível não querer participar do projeto se ele está dentro da minha tese pessoal do momento.
Mas tem muito empreendedor que mostra tanta integridade que eu acabo acompanhando por anos. E que eu sei que em algum momento podemos fazer negócio juntos, pois nossos princípios são muito alinhados.
Investir em alguém que você já conhece é um baita atalho. Eu gosto de construir ponte ao longo dos anos, pois a jornada paralela te faz, em algum momento futuro, unir caminhos.
5. Quais são os erros mais comuns que startups cometem em seus pitches que podem desencorajar um investimento? E quais erros são inaceitáveis?
Narrativas sem lastro são inaceitáveis.
Eu não quero ouvir buzzwords apenas porque está na moda. Eu quero de fato entender se a tese inteira tem fundamento.
O que é bastante desconcertante, mas até perdoável, é quando o produto “dá pau” em uma demo. Prejudica demais a experiência e percepção.
Eu também não gosto de pitches com estilo muito hipster, mas daí é algo muito pessoal e subjetivo.
Os melhores pitches que eu vi colocam narrativas e dados em sincronia. Eles conseguem envolver uma história com pragmatismo.
Tudo o que está sendo contado está embasado.
Mas sobre este último ponto: isso é bem raro acontecer e eu não posso exigir isso como norma. Se o empreendedor segurar a bronca na hora das perguntas, eu acabo relevando.
6. Há certas coisas que só são possíveis de avaliar no médio/longo prazo, como o relacionamento com os sócios e quem eles realmente são. Existem formas de evitar erros relacionados a relacionamento com o investido? E o quanto isso é importante?
Alinhar expectativas é fundamental.
Por exemplo: se eu não vejo potencial para uma tese ser investida por um VC e o empreendedor insiste que dá, a gente vai ter problemas.
Se eu deixei claro para o empreendedor que minhas condições mínimas de report são X,Y e Z com tal periodicidade, e ele evita fazer isso, teremos problemas.
Se o empreendedor espera que eu faça o trabalho dele, teremos problemas.
Então existe do lado do investidor uma obrigação de deixar muito claro quais são os seus Princípios de negócio.
No Brasil eu ainda vejo muito “endeusamento” de investidor, uma relação quase hierárquica onde o empreendedor precisa “engolir” o jeito de quem aloca capital.
Eu tenho baixo nível de tolerância a este tipo de postura por parte de investidores.
Independente se invisto via mútuo ou no equity direto, eu já deixo claro logo de cara qual o meu estilo e o que o empreendedor pode ou não esperar de mim. Afinal, seremos sócios e não estamos ali para brincar (apesar da diversão fazer parte da jornada).
Se os meus princípios e expectativas forem compatíveis, o funding a gente negocia. Mas os princípios, estes são inegociáveis.
7. A startup fez o pitch e você gostou. O que acontece depois?
Peço um deck. Preciso analisar o plano de negócios e ver coerência com o sonho vendido. Preciso montar outro Q&A em cima disso.
E se outros investidores vão entrar junto, busco entender quem vai liderar a rodada e se eu gosto do perfil dos outros investidores.
Se tudo isso se alinha, as chances de partir para um term-sheet são bem altas. Do contrário eu declino, passo meus feedbacks e parto para uma próxima. Não vou gastar o tempo do empreendedor e o meu em uma due dilligence que está desalinhada com minha tese pessoal e princípios. Nada mudaria na minha decisão.
8. Para finalizar, quais dicas você daria a startups sobre como melhorar seus pitches para se destacarem em processos de captação de investimentos?
Ser autêntico e acreditar na sua própria tese. Faça um pitch que te orgulhe em primeiro lugar.
Se você não é capaz de defender tudo o que está contando, seu carro vai bater no muro cedo ou tarde.
Se ouvir um não, receba como uma oportunidade de refinar o próximo. Se tem dúvidas, não venda algo para alguém.
Olhe no espelho e refine a história até sua alma acreditar no que sua cabeça está dizendo. E sua alma precisa ser convencida com dados, não apenas com histórias fofas.
Seja íntegro contigo em primeiro lugar: já é meio caminho andado.
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